sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Novos Princípios Contratuais

            A compreensão no mundo real de que a igualdade formal defendida na lei mostrou-se desigualdade material, onde a parte mais forte reprime a parte mais fraca, conduziu à incorporação legal de novos princípios que mudaram o enfoque de atuação do Estado sobre os contratos.  
            O princípio da boa-fé objetiva, da função social do contrato, além da inserção de cláusulas gerais na lei civil são hoje os instrumentos em que se devem basear todos os negócios realizados pelas partes.          
            Boa-fé objetiva: O princípio da boa-fé objetiva está presente no CC/2002 nos artigos 113, 187 e 422. No CDC, nos artigos 4º, III e 51, IV. A expressão chave para compreensão deste princípio reside no dever de conduta.            
           
Para assimilar em que contexto se admite o princípio de boa-fé é preciso partir, inicialmente, da noção e distinção da boa-fé objetiva e a boa-fé subjetiva.    
            Embora se possa reconhecer ambas as concepções como juridicamente relevantes, distinguem-se, fundamentalmente, porquanto a boa-fé subjetiva concentra-se na subjetividade do sujeito, suas reservas mentais; enquanto a boa-fé objetiva refere-se substancialmente ao dever de conduta do sujeito.              
            Como estabelece Noronha (NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. SP: SARAIVA. 1994. Pag. 132), a boa-fé subjetiva “ou boa-fé crença, é um estado – um estado de ignorância sobre características da situação jurídica que se apresenta, suscetíveis de conduzir à lesão de direitos de outrem”. Prossegue o referido autor:    
Na situação de boa-fé subjetiva, uma pessoa acredita ser titular de um direito, que na realidade não tem, porque só existe aparência. A situação de aparência gera um estado de confiança subjetiva, relativa à estabilidade da situação jurídica, que permite ao titular alimentar expectativas, que crê legítimas”.       



            No CC/2002 a maioria das menções à boa-fé refere-se à boa-fé subjetiva como, por exemplo, quanto trata do terceiro de boa-fé, posse de boa-fé, pagamento a credor putativo, entre outros.   
            Já a boa-fé objetiva “ou boa-fé como regra de conduta, é um dever – dever de agir de acordo com determinados padrões, socialmente recomendados, de correção, lisura, honestidade, para,..., não frustrar a confiança legítima da outra parte” (NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. SP: SARAIVA. 1994. Pag. 136)            

           
Não se pode negar que em ambas se reconhece a confiança como um dos seus elementos. No entanto, na boa-fé objetiva a confiança reside na expectativa de que a outra parte observará a lealdade e a conduta assinaladas no negócio jurídico. Protege-se a parte que acreditou no dever de conduta assumido pela outra parte do negócio jurídico. Na boa-fé subjetiva, por sua vez, o direito busca proteger aquele que confiou em uma situação aparente.            
            A boa-fé objeitva é a boa-fé elevada a princípio contratual de que trata o ordenamento jurídico atual.  
            A boa-fé objetiva deve estar presente em todas as fases negociais. Nos termos do art. 422, deve-se observar o princípio da boa-fé objetiva tanto na fase pré-contratual, quanto na sua conclusão e execução.            
            Pode-se estabelecer três funções distintas do princípio da boa-fé objetiva no CC/2002: interpretativa (art. 113), integrativa (art. 422) e de controle (art. 187).
            A função interpretativa é reconhecida sob dois aspectos: no primeiro, busca interpretar-se o contrato de acordo com as justas expectativas das partes de acordo com o dever de conduta que as partes lhe assinaram; no segundo, interpretar-se-ão as cláusulas ambíguas de acordo com o que a boa-fé apontaria como razoáveis. Razoável, por sua vez, seria a interpretação que levaria em conta o princípio da conservação do contrato, ou seja, deveria evitar a extinção do contrato; princípio do menor sacrifício, caracterizado como princípio de que o contrato será interpretado mais favoravelmente à parte que assume obrigações (NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. SP: SARAIVA. 1994. Pag. 155-156) e o princípio da interpretação contra o predisponente (CC, art. 423).      
            Na função integrativa da boa-fé assume-se a necessidade de observância de direitos e deveres das partes além daqueles estipulados no negócio jurídico. Compreende os deveres que decorrem da prestação principal do negócio jurídico, como no contrato de locação que, além da obrigação de pagar o aluguel, o locador e o locatário unem-se por diversos outros direitos e obrigações como o direito de preferência do locatário no caso de venda do imóvel pelo locador. Dentro da função integrativa, do princípio da boa-fé objetiva encontram-se os chamados deveres acessórios, laterais ou correlatos reconhecidos como “necessários para a realização das finalidades da própria relação obrigacional” (NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. SP: SARAIVA. 1994. Pag. 160).                    
            A doutrina menciona que estes deveres laterais não são facilmente identificáveis de modo geral, mas sim, em cada caso concreto. Visam assegurar a correta execução do contrato, mas não podem ser antecipadamente previstos e exigíveis. Noronha exemplifica como dever lateral do contrato de locação o dever do locatário informar o locador de uma infiltração no imóvel: embora não estejam especificadamente previstos no contrato de locação o princípio de boa-fé impõe que sejam observados.            
            Em regra, os deveres laterais são identificados como deveres de proteção, de esclarecimento e de lealdade.            
            A função de controle diz respeito à necessidade de as partes não excederem os limites impostos pela boa-fé, ou seja, as partes devem exercer regularmente seus direitos e sem qualquer abuso, sob pena de estarem agindo ilicitamente ou antijuridicamente. (NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. SP: SARAIVA. 1994. Pag. 162).           
            Função social do contrato: O reconhecimento da função social dos direito já se encontra presente na CF/88 quando trata da função social da propriedade e quando prevê a desapropriação no caso de sua inobservância.  
            O art. 421 do CC/2002 prescreve: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.   
           
A concepção atual da função social do contrato sofre diversas abordagens na doutrina. O ponto unânime, no entanto, parece residir no fato de que a função social do contrato não importa apenas às partes que nele intervêm, mas a toda a coletividade que se preocupa com a justiça desta relação jurídica. O cumprimento do contrato interessa a toda a coletividade.              
            Tepedino entende a função social do contrato como          
           
            o dever imposto aos contratantes de atender – ao lado dos próprios interesses individuais perseguidos pelo regulamento contratual – a interesses extracontratuais socialmente relevantes, dignos de tutela jurídica, que se relacionam com o contrato ou são por ele atingidos”. (TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil de 2002. In TEPEDINO, Gustavo (Org.) A parte geral do novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. Pag. XXXII).  

            Cláusulas Gerais: Uma das grandes modificações perpetradas pelo CC/2002 no campo contratual refere-se ao parcial abandono da técnica casuística de legislação verificada no CC/1916 para a adoção das chamadas cláusulas gerais.            
            A técnica casuística se caracteriza por adotar uma maneira de legislar que delimita de modo  mais amplo e específico o fato e a disciplina normativa que deverá ser aplicada. Constitui-se na maneira de tipificar uma conduta e aplicar sobre ela normas de disciplina jurídica. É a adoção da figura da subsunção do fato à norma, utilizada pelos aplicadores do direito.          
            Cláusulas gerais, por sua vez, são caracterizadas – e encontram utilidade – por apresentarem-se através de enunciados legais que não fixam exatamente qual regra de conduta deve ser observada. As cláusulas gerais são verificadas na utilização de termos e/ou expressões que não foram definidos pela norma. Utilizando-se de conteúdo vago, esta técnica acaba por permitir a interpretação individualizada de cada caso concreto, proporcionando uma pronta resposta legislativa. As cláusulas gerais, justamente por apresentarem conteúdo vago, permitem sua adequação a vários casos concretos.       
            As cláusulas gerais visam permitir ao Poder Judiciário a aplicação de normas sem necessariamente depender de prévia e específica previsão legislativa; visam, ainda, permitir mobilidade das normas, uma vez que, fixando regras amplas a serem observadas, permitem que, na apreciação de cada caso, possa-se atender de uma maneira ou de outra às intenções fixadas pelas cláusulas gerais.  
            No CC/2002, o princípio da boa-fé e da função social do contrato, e na CF/88, o princípio da dignidade da pessoa humana são exemplos de cláusulas gerais, uma vez que estes princípios não vêm qualificados e conceituados na norma escrita, podendo ser aplicados em muitos casos concretos que sequer foram previstos e particularizados na legislação.      

(CUNHA, Andreia. Direito dos Contratos: De acordo com o novo Código Civil Brasileiro. PR: Juruá, 2004. P. 16 – 20)            .

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